quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

o que restou dos fragmentos


“Estou parado em pé no pequeno pátio, a maioria dos convidados já se retirou, levando junto os copos de bebida. No pequeno pátio descoberto, a neve noturna caindo sobre mim, contemplo com ternura o chalezinho fechado (que nem os vizinhos lá do Cody no 1047) – e digo a Buckle, que fuma maconha: ‘Esta é a casinha do meu passado. Que estranho que um dos frutos que colhi depois de já adulto e  bem-sucedido tenha sido esta casinha da eternidade nos fundos do meu quintal! Ah, noite espectral! Ah, neve sagrada! Estes mistérios – meu pai – que faremos nós todos?’ Chego a pensar em fumar aquela maconha para curtir melhor minha casinha – os vizinhos que moram nela não estão ali de momento, um ‘casal de velhos’ – mas não, desisto da erva, que aliena a minha alma ‘como já fez com a de Cody’ – a casinha tem velhos beirais de pão-de-ló, marrons, uma casa de histórias da carochinha, de infâncias perdidas em algum reino passado.  – Tristonho, volto para os últimos drinques, os últimos convidados da minha festa. – Estou de sobretudo e sento numa poltrona, taciturno. – O piano, alguém toca já no encerramento, o derradeiro piano, entre copos vazios.”

“(...) e não fiz a barba e cá estou, na sala de visitas dela, que se mostra friamente solícita, pareço um Major Hoople mais magro e mais jovem, que realmente saboreou um gostinho de sucesso no início, mas depois perdeu e voltou para casa para morar com a mãe e a irmã, mas continua ‘escrevendo’ e bancando o ‘autor’ – naquela ruazinha.”

“Sou também o pretenso libertino do bairro, pronto a trepar com todas as donas-de-casa da vizinhança, que, no fundo, não querem nada comigo, com exceção de algumas, mais idosas, que querem se gabar para a minha mãe...”


(O livro dos sonhos, Jack Kerouac)

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