quarta-feira, 14 de maio de 2014

Das capas, dos anos e das vidas que passam

Todo mundo passa.

O Abrigos está mudado, e não só porque está prestes a fazer aniversário (três anos!): mudei a estética do blog, porque é exatamente na mudança que me encontro, na transição, no salto. Esse quarto onde me encontro comigo, e acho que contigo, me faz sentido enquanto identidade. Gosto dos meus penduricalhos, dos meus murais, das poesias escritas na parede com lápis de colorir. De três anos para cá, muito mudou em mim e aqui. Esse blog começou com o objetivo de ser o meu refúgio na época do vestibular. A vida andava angustiada, sem nenhuma certeza sobre meu próprio futuro, precisava fugir. Me abriguei aqui, vagabundo, nas folgas dos estudos.

O tempo passou, inclusive a prova, e essa página passou a me significar milhares de outras coisas, tantas que nem sei explicar. É aqui que me inscrevo e me reconheço, um espelho. Aprendi a escrever uns poeminhas, tenho conseguido me entender literariamente, se é que existe alguma literatura no que escrevo. Esse processo de autoconhecimento tem se refletido nos meus temas, nas minhas palavras e no modo como coloco cada uma num lugar. Estou crescendo. Tenho agora 21 anos, e não mais aqueles 18 vacilantes que culminaram aqui. Continuo aqui. Mas tudo passa, tudo voa, tudo se transforma e hoje penso em novos voos,  novos lugares onde pousar.

A fotografia que escolhi como nova capa é de autoria da queridíssima, fofíssima e prima Marina Vargas Tomaz. Ela é formada em Belas Artes pela UFMG, mas é poeta desde que nasceu, pois carrega leveza e poesia no olhar. E foi por causa desse olhar treinado para captar calmarias e sutilezas que ela fotografou esse belíssimo instante cheio de azul, borrão e sentimento, do jeitinho mesmo que estou agora, neste momento-transição. Sua arte me emociona, Marina, por isso fez tanto sentido te convidar pra cá, pra mais perto de mim. Seja bem-vinda. 


(Os garotos se divertindo, de Marina Vargas Tomaz)

***

Resolvi fazer uma retrospectiva de todas as capas que já criei para o blog desde o início. Todas as fotos são minhas, exceto esta de agora. É interessante perceber como a estética vai clareando ou escurecendo, à medida que a minha vida também o vai. Tudo escurece, para depois clarear. Tudo clareia, para depois virar breu, ou acinzentar. 

E é isso aí. Todo mundo passa, mas a vida segue. Vai seguir, afinal.




(A primeira capa. O objetivo era criar um mosaico com as influências que me tinham levado até ali: do Pablo Neruda ao Tablito, picolé. Também estou aí, escondido no meio de mim mesmo.)


(A segunda capa manteve a ideia do mosaico, porém com mais influências. Tentei deixar o aspecto menos quadrado, mas as figuras ficaram bem mal recortadas, percebam. Ainda assim me deu um trabalho danado. Mas valeu a pena: estão presentes Hopper, Los Hermanos, Drummond, Bukowski, Cícero, Dahmer, Sucrilhos, Liniers... E eu me infiltro novamente, dessa vez pequenininho, de boca fechada, evitando sorrir.)


(Essa capa foi transitória. Passei a me  incomodar com a escuridão excessiva das outras duas, mas ainda não sabia como resolver a questão. Só me incomodava com a nuvem pesada que o blog representava, peso que já não existia mais. Essa capa foi a que ficou por menos tempo, o bastante para aliviar o coração.)


(Até que veio esta foto e esta ocasião. Foi tirada por mim mesmo, num reencontro com amigos na beira do Rio São Francisco. As pernas são minhas e de Stefani, amiga também aliviada com a fase-escuridão que tinha acabado de sair de cima de nós. Nossas pernas sorriem para aquele passado triste, cinza demais. O blog agradece a claridade do céu. Respiração.)


(Depois do momento clarear, chegou o momento colorir. Esta fotografia foi tirada na praça principal de Viçosa, minha nova cidade. Os balões são de um vendedor de balões que eu adorava observar. Acrescentei um novo verso para tentar descrever o que é o Abrigos pra mim. Até que desisti de tentar.)


(Desisti. Sem nome, sem descrição, uma cadeira infantil abandonada num monte de areia já conseguia dizer o suficiente sobre mim. E diz.)


(Depois de um tempo, me cansava e oprimia demais o abandono do cinza. Resolvi, novamente, clarear. Esta foto foi tirada em Montes Claros (MG) numa tarde de calor. A bicicleta passou, eu fiquei por lá.)


(Azul, borrão, opaco. O presente é escorregadio demais para qualquer tentativa de compreensão. Vamos esperar passar. Tudo passa. Quem sabe daqui a três anos?)

quinta-feira, 8 de maio de 2014


“Quando chego em casa, daí posso pensar na morte. Só um pouquinho. Não muito. Não me preocupo com a morte ou não tenho pena de morrer. Parece uma tarefa desgraçada. Quando? Na próxima quarta-feira à noite? Ou quando estiver dormindo? Ou por causa da próxima terrível ressaca? Acidente de trânsito? É uma carga, é uma coisa que deve ser feita. E vou morrer sem acreditar em Deus. Isso vai ser bom, posso enfrentá-la de cabeça em pé. É uma coisa que você tem que fazer, como calçar os sapatos de manhã. Acho que vou ter saudades de escrever. Escrever é melhor que beber. E escrever enquanto você está bebendo sempre faz as paredes dançarem. Talvez haja um inferno, será? Se houver, lá estarei e sabem o que mais? Todos os poetas estarão lá, lendo seus trabalhos e eu vou ter que ouvir. Serei afogado por sua elegante vaidade, por sua transbordante autoestima. Se houver um inferno, este será o meu: um poeta atrás do outro lendo sem parar...”


(Charles Bukowski, em diário – 16/04/92. Trecho retirado do livro O capitão saiu para o almoço e os marinheiros tomaram conta do navio, 1998)

domingo, 4 de maio de 2014

"Aqui" - Tulipa Ruiz

Como é legal essa sua transição.



Desabafo de nº 5

Minha memória e meu raciocínio estão fragmentados. A noite passada. Meu aniversário. Mais uma vez, torna-se nítida a imagem dos ciclos que se fecham e se abrem, renovados. A escrita, a idade, os projetos políticos: tudo recomeça com novas cores, tons e cheiros. Estou crescendo. Enxergar-se adulto não é simples, ou fácil. Corpo, mente e vontades expandindo-se e expandindo-se. Me sinto largo, grande, comprido. Não me protegem mais, me protejo sozinho.
Estarei protegido?
Crescido?
Os ciclos.
Tenho sono. A cabeça fragmentada é reflexo da última noite embriagada. Algumas coisas não mudam: a escrita para afrouxar, Smiths para curar.