terça-feira, 17 de abril de 2012

Bob Dylan


Mais personalidades históricas em flagrantes históricos.

Sonho em azul e medo

Sonhei com o mar. Um mar em fúria. A noite, o meu sono, a minha mente, o meu inconsciente estavam também nebulosos. Havia tempestade, ventos ligeiros e o mar atordoado. Havia duas pessoas caminhando no desespero.

O primeiro, um homem, alto, negro, aparentemente inatingível pelo caos. Sereno e sábio aquele homem. Ao seu lado, uma garota de cabelos enrolados, traços finos, sobrancelhas arqueadas e medo na face. Os dois caminhavam com água nos joelhos, relâmpagos prateados, cinza no céu. A cor do meu sonho era a tristeza.

A garota baixa e juvenil recebia água dura do alto, água frágil dos olhos. Elas não se confundiam: a primeira era ódio, a segunda, solidão e melancolia.

E caminhavam e ela se protegia do frio com os próprios braços em torno do corpo magro. Ele não sentia frio, olhava para frente, para a menina, para o chão que virara água. E tudo era espuma, azul e incerteza, exceto para o grande homem encontrando constância nas ondas que não os derrubavam.

Ela o olhava com súplica nos olhos.

Ele a olhava com experiência nos seus.

E ela rompeu o silêncio de fala, o barulho de trovão, o agito de tudo. Perguntou com esperança arredia, queria a certeza do homem, livrar-se do medo de si:

 - Nós estamos doentes?

Ele respondeu com calma, confortando o coração da menina:

- Não. O mar está doente.

Eles prosseguiram caminho. E eu filosofei o dia inteiro.

(Imagem: Filme Abril despedaçado, Walter Salles, 2001)