quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Uma música para 2011

Pierrot - Los Hermanos


               A minha música de 2011 é de 1999, mas releve, é incrivelmente boa e é Los Hermanos. Lançada no primeiro CD da banda, não foi single, não foi executada nas rádios até dizer chega como Anna Júlia, mas é a mais pedida nos shows. Ouça e você vai entender o porquê. É para cantar e pular e enlouquecer. E não é música chiclete que vicia e passa rapidamente, eu estou aqui para comprovar isso. Desde o começo do ano a ouço e não canso. Los Hermanos tem esse efeito eterno sobre mim.
                O que justifica a escolha para este ano foi o show do cover dos Hermanos (fazer o quê, eles estão separados) que eu fui em abril. Fantástico, apesar de ser o genérico. Fantástico, repito. Desde o momento em que os músicos tocaram a primeira música, a platéia já estava pedindo o Pierrot e foi assim até que eles realizaram o desejo, já no final. Foi assim também no show da Fundição Progresso da banda verdadeira, na última turnê. A galera sortuda que assistiu levou faixas e gritou incessantemente: “Pierrot! Pierrot! Pierrot!”. E eles a deixaram por último e fizeram bonito, de novo. Um gran finale para um show memorável. E o foi também para mim, mesmo sendo o cover. A emoção de cantar junto, em êxtase, sobre o choro do palhaço triste foi uma das melhores coisas do ano, sem dúvida.
                Destaque para a letra doce do Marcelo Camelo e para o arranjo pesado: contradição mais do que coerente quando se trata da dor de amor. E merece ainda maior destaque o “Laiá Laiá Laiá” rouco, sofrido e inconfundível do Rodrigo Amarante no fundo.
                É música de fechar os olhos e cantar junto da maneira mais ensandecida que puder, de preferência longe dos outros. Música com efeito alucinógeno – é droga saudável.  Música para nunca mais parar de ouvir.  
                No ano que vem acontecerá o show do Los Hermanos original e vou poder ouvir a voz arrastada do Amarante de perto, ao vivo. Portanto, não estranhe se o Pierrot aparecer por aqui de novo, como a música de 2012. Até lá!
                A letra: 

                         O pierrot apaixonado chora pelo amor da colombina
                          E a sua sina chorar a ilusão em vão, em vão

                          E a colombina só quer um amor
                          Que não encontra num braço qualquer
                          Essa menina não quer mais saber de mal-me-quer
                          Só do pierrot, pierrot
                          Pierrot, pierrot, pierrot, pierrot...

                          O pierrot apaixonado chora pelo amor da colombina
                          E na esquina se mata a beber pra esquecer, pra esquecer

                          E o pierrot só queria amar
                          E dar um basta a esta dor já sem fim
                          Mas colombina trocou seu amor por arlequim
                          E o pierrot, chora!
                          E o pierrot, chora!
                          E o pierrot, chora!
                          Pierrot...

domingo, 25 de dezembro de 2011

O que foi o meu 2011



                Sempre gostei de retrospectivas. Na verdade, gosto mesmo é de lembranças, de saudade. E quanto a isso, nós somos problemáticos porque só damos o devido valor ao presente depois que ele passa, e só nos resta recordar.  

                2011 foi um ano morno para mim, mas decisivo. Terminei o ensino médio e agora a vida está por conta minha, sou responsável pelo chão em que pisarei daqui pra frente. Essa perspectiva (ou a falta dela) me fez ficar deitado na minha cama, estático, após o fim de tudo, com medo de me levantar, abrir a porta do quarto e encarar a vida, olho no olho. 

                Medo passageiro. Agora a porta do quarto está aberta. Quero saber o que virá. Quero fazer o que virá.

                Mas este post é retrospectivo e não vou ficar aqui especulando o meu futuro, porque não adianta. Então, ao que interessa...

                O ano começou bem, realizando um sonho: entrar numa piscina de bolinhas. Todos nós temos alguns vazios na infância: nunca ter jogado SuperMario, ou nunca ter brincado de beyblade, ou nunca ter assistido ao Castelo Rá-Tim-Bum. Um dos meus foi o de nunca ter me aventurado entre bolinhas coloridas. Pois bem, eis que com os meus dezessete anos, o vazio foi preenchido. Nunca é tarde para acordar nossas crianças íntimas. Agora só falta a roda gigante.

 No carnaval da família, realizando um sonho


                Os dezoito anos são uma idade fetiche. Sonhamos com a liberdade, a juventude e o vigor que essa fase da vida sugere. Porém, o meu não foi isso tudo não. Ainda sou dependente financeiramente da família, ainda não saí de casa, não tenho nada em meu nome além de revista semanal e pensando bem, não tenho nada além de alguns livros, um blog, e algum conhecimento. Mas quem se importa? Tenho amigos. E foi com eles que comemorei a chegada dessa idade de ilusões. 

Dezoito anos com cara de cinco.


                E depois de um longo semestre de estudos pesados... as férias de Julho! Reencontrei os amigos migradores, tocamos violão, respiramos ar puro, corremos, acordamos junto com o sol, cantamos bossa nova, abrimos padarias, descobrimos museu, jogamos frescobol, nadamos no Rio à noite, assistimos a filmes...  E preenchi mais um vazio da infância: soltei pipa. Melhor, fabriquei e soltei pipa pela primeira vez. Foi transcendental. Ver uma pipa voando é voar junto com ela. Foi uma das experiências mais bonitas da minha vida. Talvez por todo o contexto de repressão dos prazeres que o estudo impõe, talvez por ter acontecido com grandes amigos e na beira do rio, pela manhã, com céu azul e vento bom, ou talvez porque é bonito para todo mundo e foi também para mim, só isso. Querendo nunca mais me esquecer da minha pipa verde, fotografei-a no ar. Só então percebi que ela estava alta demais... E eu também.


 Voando
 
                

 Ano de experimentações, de primeiras vezes. Esse é o meu primeiro origami, feito com muita ajuda, passo a passo, numa mesa de bar e com guardanapos. Só não me peça para fazer de novo...

  Pássaros tortos de guardanapo

 
                Ouro Preto, aqui em Minas, é patrimônio histórico da humanidade. Mais do que isso, a cidade é patrimônio de todas as almas melancólicas como a minha. Cidade de brumas, de cinza, de saudosismo e pesar. Cidade linda. Já a conhecia, mas esse ano a revisitei e me apaixonei ainda mais. Não é cidade de aconchego, mas de incômodo, de frieza, de olhar para o passado e olhar para si ao mesmo tempo. Cidade daquela solidão dos livros, da lareira, do vinho seco.  Cidade de mim. 

Cidade-eu


                Criei o blog esse ano, com o objetivo de fugir dos compromissos, do cotidiano sufocante e ter um lugar meu, um quarto onde posso bagunçar e organizar a bagunça do jeito que quiser. Um lugar em que estou quando quero somente estar. Onde pesquiso o que eu gosto, falo sobre assuntos que me interessam e sobre mim, e pouco me importa se ninguém quer saber sobre mim. Eu quero.

Meu quarto


                E de toda essa história de ensino médio e recreio estou levando comigo o mais importante de tudo: os amigos que fiz. E fiz bem feito.
A turma da escada

               
Sempre soube que eu sou uma pessoa de esquerda. Nesse ano treinei essa minha vocação com a minha própria escola, que deixou muito a desejar na minha educação. Na verdade, o treinamento se deu durante os longos quatro anos em que estudei lá, mas culminou no último dia de aula, depois de muita dor de cabeça, stress, reclamação e, sobretudo, vontade de mudar as coisas. Fiz o meu primeiro protesto com plaquinhas. Tenho quase certeza de que, apesar da gritaria, da batucada, do grito de guerra e do discurso inflamado pouco ou quase nada mudará. Infelizmente, a imagem que guardo do fim do meu período escolar sou eu saindo do prédio da última escola e ela desmoronando no fundo.

 A primeira plaquinha de muitas


                Para finalizar o ano, pintei a minha primeira, e talvez única, tela – inspirada por um conto que escrevi e já postei aqui: Sr. Não Sei. O conto fala sobre aquelas pessoas que vemos sempre, mas não sabemos o nome e quem são. A pintura também é sobre isso, mas ela ganhou sentidos múltiplos e maiores, pelo menos para mim. Pendurei-a na cabeceira da minha cama e quando a vejo todos os dias, lembro-me do existencialismo de Sartre e da esfinge da história de Édipo: “Decifra-me ou devoro-te!”. É o símbolo perfeito de toda a incerteza que minha vida se tornou nesses últimos meses. E a interrogação no lugar da face é o próximo ano, é o futuro que não sei, é o Douglas de amanhã e o de hoje também. 

Sr. Não Sei

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Mais um pato selvagem

     (Quino)

               Uma fábula do Rubem Alves – Patos Selvagens – discorre sobre a diferenciação entre os patos selvagens e os domésticos. Os primeiros voam, enfrentam os caçadores, não possuem casa fixa, mas vivem na beleza maior: o horizonte. Os segundos não precisam enfrentar perigos, não voam, possuem lugar para morar e a comida lhes é dada pelo dono; eles vivem tranquilamente ao contrário dos selvagens. Essa distinção funciona para os patos. Mas serve também para os homens.

                As minhas últimas semanas foram de alçar vôo e enfrentar os tiros dos caçadores. Semanas de escolha entre a segurança da terra ou os riscos do ar; entre o calar-se e os gritos; entre a mesmice, fracassada, e o tentar mudar as coisas. Das duas opções prefiro as segundas. Mas de repente me vejo num mundo repleto de pessoas que preferem as primeiras.

                Os patos domésticos são maioria por aqui. Sem metáforas, as pessoas cansadas ou derrotadas que perderam a capacidade de mudar o mundo, ou seu próprio, estão por toda a parte. Estão nas ruas congestionadas, em prédios cinzentos, nas lojas procurando algo que o consumo não oferece; estão em casa vivendo por viver. Estão nas escolas também. E esse é o maior perigo de todos. 

                Educadores deveriam ensinar aos seus alunos, antes dos números, das letras ou dos átomos, as técnicas de vôo. A primeira lição seria acreditar que as asas existem, mesmo nesse “mundo enfastiado que já não crê nos bichos e duvida das coisas”, como diria Drummond. O problema é que muitos educadores não sabem ou desistiram de voar. Os seus alunos, portanto, também nunca o saberão. Eles estão fadados a se juntarem ao medíocre exército dos patos domésticos, onde também estão os seus professores. 

                Esse exército, gigantesco, nunca ganhará batalha alguma, pois não luta. Pode até estar armado em algumas ocasiões, mas quando empunha a arma para desferir o primeiro golpe contra o inimigo, hesita. Tem medo. Recua. E essa é a sua sina. A sina de milhões e milhões de pessoas emudecidas. Eles nunca mudarão o mundo, pois perderam o brilho nos olhos. Perderam a crença na utopia, e isso não é um paradoxo. A utopia pode ser, algum dia, verdade. Por que não? É nisso que acredita o exército do outro lado. 

                Os voadores por excelência são poucos. Muitos foram reprimidos pelos caçadores. Mas apesar da quantidade inferior, pertencem a eles, selvagens, as digitais que vemos no mundo. Eles as deixaram lá. 

                Todos os educadores deveriam ser patos selvagens. Corajosos. Sonhadores. Voadores. Que não têm medo do grito e de saírem das suas vidas confortáveis e cheias de hipocrisia para buscarem algo bom de fato. Na verdade, educadores ou não, todos deveríamos ser assim. O mundo seria melhor e não este. 

    Estou cansado destas razões que movem tudo: a inércia, o medo, a ignorância, a hipocrisia, a mediocridade, a futilidade, o comodismo, o egoísmo... Para aonde vamos assim? 

    Esse texto, esse desespero, esse susto de ver tal estado de coisas talvez seja só inexperiência de garoto de dezoito anos. Talvez seja só a pujança da juventude, como dizem. Mas se ser experiente é deitar a cabeça no travesseiro e se esquecer de que tudo está errado, não, quero ficar aqui onde estou. Mais um pato selvagem, que quer, pelo menos, tentar organizar esse quarto bagunçado em que vivemos. 

    A história do Rubem Alves termina com o pato selvagem, que virara doméstico por opção, com saudade de voar. Ele tenta, mas continua no chão “em segurança, gordo de barriga cheia, protegido pelas cercas”. Os seus ex-semelhantes estão lá em cima, ainda fugindo dos caçadores, mas livres. O horizonte é o quintal da casa deles. E pode ser o nosso também.

sábado, 3 de dezembro de 2011

Recorte: Ao sul de lugar nenhum, Charles Bukowski (2)



“Como qualquer um pode lhe dizer, não sou um homem muito bom. Não sei que palavra usar para me definir. Sempre admirei o vilão, o fora da lei, o filho da puta. Não gosto dos garotos bem-barbeados com gravatas e bons empregos. Gosto dos homens desesperados, homens com dentes rotos e mentes arruinadas e caminhos perdidos. São os que me interessam. Sempre cheios de surpresas e explosões. Também gosto de mulheres vis, cadelas bêbadas que não param de reclamar, que usam meias-calças grandes demais e maquiagens borradas. Estou mais interessado em pervertidos do que em santos. Posso relaxar com os imprestáveis, porque sou um imprestável. Não gosto de leis, morais, religiões, regras. Não gosto de ser moldado pela sociedade.”

(Charles Bukowski, Ao sul de lugar nenhum, conto Colhões, L&M Pocket, página 145.)

Férias!


Nessas férias irei viajar. Vou subir nessa árvore e ficar lá por cima mesmo, quieto. 

 (Toni Demuro)

terça-feira, 29 de novembro de 2011

O fim


José

E agora, José?
A festa acabou,
A luz apagou,
O povo sumiu,
A noite esfriou,
E agora, José?
E agora, você?
Você que é sem nome,
Que zomba dos outros,
Você que faz versos,
Que ama, protesta?
E agora, José?

Está sem mulher,
Está sem discurso,
Está sem carinho,
Já não pode beber,
Já não pode fumar,
Cuspir já não pode,
A noite esfriou,
O dia não veio,
O bonde não veio,
O riso não veio
Não veio a utopia
E tudo acabou
E tudo fugiu
E tudo mofou,
E agora, José?

E agora, José?
Sua doce palavra,
Seu instante de febre,
Sua gula e jejum,
Sua biblioteca,
Sua lavra de ouro,
Seu terno de vidro,
Sua incoerência,
Seu ódio – e agora?

Com a chave na mão
Quer abrir a porta,
Não existe porta;
Quer morrer no mar,
Mas o mar secou;
Quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?

Se você gritasse,
Se você gemesse,
 Se você tocasse
A valsa vienense,
Se você dormisse,
Se você cansasse,
Se você morresse...
Mas você não morre,
Você é duro, José!

Sozinho no escuro
Qual bicho-do-mato,
Sem teogonia,
Sem parede nua
Para se encostar,
Sem cavalo preto
Que fuja a galope,
Você marcha, José!
José, para onde?

Carlos Drummond de Andrade





Josés, que essas perguntas carregadas de angústia tenham alguma certeza como resposta.

Até.
 

domingo, 27 de novembro de 2011

É desta leveza que eu estou falando

 
(Know How - Kings Of Convenience)


                Essa é a contribuição do Kings of Convenience  contra toda a melancolia presente. A suavidade e a simplicidade das vozes e da melodia talvez sejam tudo de que careço para me livrar desse peso sobre os ombros. Peso a que eu mesmo me submeti. E ainda estou submetido, esgotado. 

                 Outros versos, do Oswaldo Montenegro, agora são mantra, oração, pedido à estrela que cai:


“Que essa minha vontade de ir embora
Se transforme na calma e na paz que eu mereço
Que essa tensão que me corrói por dentro
Seja um dia recompensada.”

(Metade - Oswaldo Montenegro)


                Ao repeti-los espero profundamente que as águas calmas substituam a tempestade. E perdurem.

domingo, 20 de novembro de 2011

Meu querido pé anti-racista


Era uma vez um pé comum... 


... que, embalado pelo The Kooks...


... e através das mãos de verdadeiras artistas...


... transformou-se num pé anti-racista...


... porque até o meu pé entende que o racismo é uma tolice.




sábado, 19 de novembro de 2011

Pode deixar entrar.

(Quino)

Recorte: Ao sul de lugar nenhum – Charles Bukowski



“Descobri que na América e provavelmente em todos os outros lugares, tudo se resumia a ficar na fila. Fazíamos isso em toda parte. Carteira de motorista: três ou quatro filas. Hipódromo: filas. Cinema: filas. Mercado: filas. Eu odiava filas. Senti que deveria haver uma maneira de evitar as filas. Então a resposta me iluminou. Ter mais atendentes. Sim, essa era a solução. Dois atendentes para cada pessoa. Três atendentes. Deixem os atendentes fazerem fila.”

(Charles Bukowski, Ao sul de lugar nenhum, conto Dr. Nazi, página 115.)

domingo, 13 de novembro de 2011

Vontade de fugir


           “ – Minha querida filha, (...) Consultei o oráculo que, como sabes, não mente nunca e dirige toda a minha conduta. Ele me ordenou que te fizesse correr o mundo. Deves viajar. (...)

            Formosante, que jamais saíra do palácio do rei seu pai e que, (...) só havia levado uma vida muito insípida na etiqueta do fausto e na aparência dos prazeres, ficou encantada com a peregrinação que iria fazer.”
(Voltaire, A princesa de Babilônia, página 38)
               

Está decretado: a vontade de fugir é sentimento universal e constante. Agora ou na Antiguidade, aqui ou na Babilônia remota, nunca estamos completamente satisfeitos com o que temos nas mãos. Queremos mais. A isso, dá-se o nome de ambição. No entanto, eu nomeio sobrevivência.

 Cansei. 

Mas não tenho do que reclamar da vida. Possuo ótima família que me ama e entende; amigos incríveis que me ouvem e riem comigo, e choram; até, quem diria, amor. Porém esse tudo que me cabe parece pouco agora. Sinto-me preso em uma gaiola enquanto a imensidão do céu lá fora me espera. O tudo já não me basta mais. 

Assim como Formosante, a Princesa de Babilônia, que apesar de ser herdeira do maior império antigo, possuir milhares de servos e riquezas a sua disposição, ser a mais bela de todas as princesas, ter tudo de que precisa, ainda assim, falta. Não sei se essa ausência inominável será preenchida um dia, mas a busca é necessária, mais do que isso, ela é vital. 

Imagino que todos estão sujeitos a essa cócega, que vira convulsão, de mudanças. O que talvez falte à maioria é coragem de abrir novos caminhos na selva que é a vida. Mudar de emprego, conhecer pessoas novas, relacionar-se com novos possíveis amores, constituir família, abandonar o casamento falido, mudar de cidade, iniciar a faculdade, viajar. 

A estagnação e o conformismo me causam medo e são também formas de morrer. Mudar é renovar o viver, que já anda tão cansado.  

Assisti a um filme, Um lugar qualquer (2010), que contava a história de Johnny Marco, ator de Hollywood, rico, bem sucedido profissionalmente, mas vazio. O filme é arrastado como a própria vida do protagonista, que quando não trabalha volta para casa, sozinho, onde fuma, bebe, faz sexo, dorme e só. Durante todo o filme espera-se que algo aconteça, mas não acontece, porque também falta algo para o Johnny. Ao final, ele abandona o seu carro de luxo e foge. O sorriso no canto dos lábios que vemos é de alívio e liberdade. 

                                (Um lugar qualquer, Sofia Coppola, 2010)


Não tenho uma Ferrari para abandonar, mas também preciso desse mesmo sorriso. Não abandonar e esquecer – quero conservar tudo até aqui – mas renovar o oxigênio, os abraços, os motivos do choro. Conhecer, quem sabe, o Vilarejo da Marisa Monte, “onde areja um vento bom”, “o mundo tem razão” e o tempo pode esperar. 

                                          (Vilarejo - Marisa Monte)

Por enquanto, estou como O elefante drummondiano, que procura um mundo novo e está “faminto de seres e situações patéticas”. O elefante nada encontra, além de hostilidade. Mas continuará a procurar. Eu e o meu elefante continuaremos. 


O elefante

Fabrico um elefante
De meus poucos recursos.
Um tanto de madeira
Tirado a velhos móveis
Talvez lhe dê apoio.
E o encho de algodão,
De paina, de doçura.
A cola vai fixar
Suas orelhas pensas.
A tromba se enovela,
É a parte mais feliz
De sua arquitetura.
Mas há também as presas,
Dessa matéria pura
Que não sei figurar.
Tão alva essa riqueza
A espojar-se nos circos
Sem perda ou corrupção.
E há por fim os olhos,
Onde se deposita
A parte do elefante
Mais fluida e permanente,
Alheia a toda fraude.

Eis meu pobre elefante
Pronto para sair
À procura de amigos
Num mundo enfastiado
Que já não crê nos bichos
E duvida das coisas.
Ei-lo, massa imponente
E frágil, que se abana
E move lentamente
A pele costurada
Onde há flores de pano
E nuvens, alusões
A um mundo mais poético
Onde o amor reagrupa
As formas naturais.

Vai meu elefante
Pela rua povoada,
Mas não o querem ver
Nem mesmo para rir
Da cauda que ameaça
Deixá-lo ir sozinho.
É todo graça, embora
As pernas não ajudem
E seu ventre balofo
Se arrisque a desabar
Ao mais leve empurrão.
Mostra com elegância
Sua mínima vida,
E não há na cidade
Alma que se disponha
A recolher em si
Desse corpo sensível
A fugitiva imagem,
O passo desastrado
Mas faminto e tocante.

Mas faminto de seres
E situações patéticas,
De encontros ao luar
No mais profundo oceano,
Sob a raiz das árvores
Ou no seio das conchas,
De luzes que não cegam
E brilham através
Dos troncos mais espessos,
Esse passo que vai
Sem esmagar as plantas
No campo de batalha,
À procura de sítios,
Segredos, episódios
Não contados em livros,
De que apenas o vento,
As folhas, a formiga
Reconhecem o talhe,
Mas que os homens ignoram,
Pois só ousam mostrar-se
Sob a paz das cortinas
À pálpebra cerrada.

E já tarde da noite
Volta meu elefante,
Mas volta fatigado,
As patas vacilantes
Se desmancham no pó.
Ele não encontrou
O de que carecia,
O de que carecemos,
Eu e meu elefante,
Em que amo disfarçar-me.
Exausto de pesquisa,
Caiu-lhe o vasto engenho
Como simples papel.
A cola se dissolve
E todo seu conteúdo
De perdão, de carícia,
De pluma, de algodão
Jorra sobre o tapete,
Qual mito desmontado.
Amanhã recomeço.

Carlos Drummond de Andrade

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Divulgando links: André Dahmer



É mais do que valorizar o que se produz nessas terras tupiniquins. É a confirmação de que, sim, temos artistas contemporâneos muito talentosos. André Dahmer é desenhista, cartunista, pinta, escreve e ainda é amigo do Rodrigo Amarante e do Marcelo Camelo. Enfim, o cara é foda.

 De humor fino, sarcástico, politicamente incorreto e, por vezes, filosófico, começou publicando os seus quadrinhos na internet em 2001 e de lá pra cá publicou livros e já é nacionalmente reconhecido, com direito a elogios do Ziraldo. O melhor de tudo é que ainda continua publicando na internet, gratuitamente. Eis os links:

1)      http://malvados.wordpress.com/ : Blog. Cartuns excelentes, notícias, e onde estão a venda os seus outros trabalhos como livros, e até um cinzeiro personalizado com frases do tipo: “Você vai morrer de algo que gosta”.

2)      http://malvados.blogger.com.br/: Blog pessoal, onde é possível acompanhá-lo mais de perto. 

3)      http://www.pintura.com.br/ : Site com gravuras e pinturas do Dahmer. Além de trabalhos alternativos, como uma cruz de cigarros Malboro gigantes.

4)      http://g1.globo.com/pop-arte/fotos/2010/04/tirinhas-rei-emir.html : E o cara também publica no G1. O detalhe é que lá só são publicadas as tirinhas de um de seus personagens, o Rei Emir: tirano, egoísta e de grandes bigodes.

5)      http://www.malvados.com.br/: Site com os “Quadrinhos dos anos 10”: atualizações diárias e muita crítica social. 

O universo Dahmer é diversão e distração de qualidade.

Bom apetite.







 E o Monsueto, meu preferido:

 



quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Putas tristes e uma tarde chuvosa




   Estava com sede de muitas coisas. O teatro no sábado (Deus ou o Diabo, do grupo mineiro Tudo Era uma Vez) denunciou-me o quanto eu carecia de literatura, poesia e afeto. O vestibular arrancou-me tudo isso, e me impôs a geometria, as fórmulas indecoráveis de Física (que eu continuo sem entender) e decorebas que certamente irei esquecer daqui a algum tempo. Concordo que tudo isso tenha a sua relevância, mas prefiro os decassílabos organizados em dois quartetos e dois tercetos. Mesmo que isso não me faça passar no vestibular.

                Tudo que li durante o ano foram reportagens sobre a nojenta corrupção brasileira, críticas de filmes, artigos políticos, matérias sobre meio ambiente e usinas nucleares. Iniciei alguns livros, mas os didáticos não me deixaram terminá-los. Os contos do Bukowski foram escapismos rápidos e eficientes, mas até eles eu deixei de lado. A vida prática é um estupro.

                O meu maior medo é de que todo esse tempo adiando livros e podando prazeres tenha sido em vão, pois se for o caso, a poda continuará.

                Já estou na reta final – o vestibular é na semana que vem – e não estou tão tenso quanto achei que estaria. Talvez porque aceitei que matemática não é pra mim e que eu não vou conseguir mudar isso em uma semana, posso tentar, mas, merda, não vou. Então, permiti-me relaxar um pouco.

                Ontem, motivado por pingos de chuva, li um livro do começo ao fim. Livro pequeno, mas interessantíssimo: Memória de minhas putas tristes, do Gabriel Garcia Márquez. Um clássico. Uma bela história sobre o quanto pode ser renovador envelhecer. Também sobre o amor por uma bela adormecida; sobre putas e sexo triste; sobre um cronista de noventa anos “feio, tímido e anacrônico”, mas que “ainda está no jogo”. Recomendo.



                “Nunca fiz nada diferente de escrever, mas não tenho vocação nem virtude de narrador, ignoro por completo as leis da composição dramática, e se embarquei nessa missão é porque confio na luz do muito que li pela vida afora. Dito às claras e às secas, sou da raça sem méritos nem brilho, que não teria nada a legar aos seus sobreviventes se não fossem os fatos que me proponho a narrar do jeito que conseguir nesta memória do meu grande amor.”

(Memória de minhas putas tristes, Gabriel Garcia Márquez, página 11.)



                Com tudo isso, enchi-me, enfim, de literariedade e de abstrações que preenchem muito mais do que concretudes. A tarde e a noite de ontem compensaram o ano inteiro.